Manfred Kets de Vries - “O amor é essencial para os negócios”

14-04-2009 09:39
José Fucs - Revista Época - Edição 569
 
O professor de liderança diz que as pessoas têm de gostar umas das outras no ambiente de trabalho

Considerado pela revista britânica The Economist como um dos principais pensadores mundiais nas áreas de liderança e de recursos humanos, o professor e consultor Manfred Kets de Vries leva ao limite a interseção entre a psicologia e a administração. Ele diz que as emoções, tradicionalmente negligenciadas pelas empresas, estimulam o envolvimento e o comprometimento dos funcionários. “As pessoas gastam tanto tempo no trabalho que as empresas têm de ser uma comunidade”, afirma. “Elas precisam gostar umas das outras.” Segundo De Vries, a característica mais importante de um grande líder é o autoconhecimento. “Se você pretende ser um líder autêntico, precisa entender seus pontos fortes e suas fraquezas, suas motivações, seus desejos, seus sentimentos e saber como eles afetam seu comportamento.”
  ENTREVISTA – MANFRED KETS DE VRIES  

 Divulgação QUEM É
Consultor empresarial, professor titular de desenvolvimento de liderança da escola de administração Insead, na França, e responsável pelo Centro de Liderança Global da instituição. É membro da Associação Internacional de Psicanálise

ONDE ESTUDOU
Doutor em economia pela Universidade de Amsterdã, doutor em administração pela Universidade Harvard e psicanalista

O QUE PUBLICOU
Escreveu cerca de 30 livros, entre eles
O líder e o divã – Uma análise clínica para transformar pessoas e organizações, inédito no Brasil

ÉPOCA – Em seus últimos livros, o senhor fala que é preciso dar vazão às emoções nas empresas. Por quê?
Manfred Kets de Vries –
Até pouco tempo atrás, as emoções não tinham importância na vida das empresas. Nas organizações convencionais, as pessoas costumam trabalhar de forma mecânica, sem mostrar emoções. O modelo de gestão é desapaixonado. Hoje, mais e mais pessoas começam a se dar conta de que isso não funciona. O comando e o controle são coisas do passado. Se você quiser tirar o que as pessoas têm de melhor, tirar algo extra das pessoas, precisa inspirá-las. As pessoas têm de se sentir vivas no trabalho.

ÉPOCA – O que isso quer dizer?
De Vries –
O que acontece nos workshops que faço com executivos mostra bem o que estou falando. Costumo pedir para eles fazerem um autorretrato. É uma forma de quebrar o gelo e descontrair o ambiente. Em geral, os executivos me olham como quem diz: “Meu Deus, o que você está fazendo?”. E eu digo que, se os filhos deles podem fazer isso, eles também podem. Depois, colo os desenhos na parede e escolho algumas pessoas para explicar o que fizeram. Uma vez, quando estava dando um workshop para 25 executivos de um grande banco internacional, pedi para o presidente explicar seu desenho. Em vez de um autorretrato, ele tinha desenhado uma menina. Eu perguntei: “Por que você desenhou uma menina?”. Ele disse que era sua filha, e ela tinha morrido. E começou a chorar. Ele é o presidente do banco, e não o Super-Homem. É um ser humano – e isso não muda quando está trabalhando.

ÉPOCA – No dia a dia, de que forma as emoções podem contribuir para melhorar o clima nas empresas?
De Vries –
Muitos executivos estão percebendo que a maioria das pessoas não decide simplesmente sair das empresas em que trabalham. Elas deixam seus exércitos. Quando alguém lhes pergunta: “Por que vocês trabalham para essa empresa? É uma péssima empresa”, elas dizem: “Eu gosto do meu chefe. Quando tenho alguma dificuldade, ele (ou ela) realmente se importa comigo”. Isso faz uma tremenda diferença. Outra coisa importante é o que eu chamo de “amor”, embora talvez não seja a melhor palavra. Hoje, as pessoas gastam tanto tempo no trabalho que as empresas têm de ser uma comunidade. As pessoas precisam gostar umas das outras. Em muitas empresas, há uma sopa darwiniana, em que as pessoas lutam entre si. A terceira coisa é o significado. É a mais importante delas. As pessoas trabalham por dinheiro, mas morreriam por uma causa. Algumas vezes, é difícil conseguir isso. Se você trabalha numa empresa de cigarros, não é fácil. Mas as pessoas só têm uma vida. Elas não querem ser as pessoas mais ricas do cemitério. Querem fazer algo que tenha significado para ser lembradas.
 
ÉPOCA – A livre expressão das emoções no ambiente de trabalho não pode ter efeito negativo?
De Vries –
Com certeza. Você tem emoções positivas e negativas. Se você ficar bravo de forma muito dramática, as pessoas ficam com medo. Isso não é muito bom. Numa organização em que existe um clima de medo não há criatividade, não há inovação. Uma vez o presidente de uma empresa me disse: “Todos os dias, quando entro no prédio da minha empresa, tenho de me lembrar de não fazer certas coisas que podem deixar 10 mil pessoas infelizes”. Por outro lado, empatia não significa ser bom. Eu acredito que é possível ser duro e ter empatia. As pessoas podem ter conversas duras que sejam construtivas e criativas. Senão, elas não aprendem. Mas, se você sente que uma pessoa não está fazendo um trabalho muito bem, não ajuda muito tratá-la como um nada. Tem de dizer: “Escute, você não poderia fazer de outra forma?”. Você tem de ajudar as pessoas.

ÉPOCA – Qual é o limite para a expressão da emoção nas empresas?
De Vries –
No contexto empresarial, você precisa ter um nível mínimo de compostura. O excesso nunca é bom. Mesmo os pontos fortes, quando são exagerados, representam uma fraqueza. Em geral, você trabalha com suas qualidades, mas também tem de estar atento a suas fraquezas. Depende também da cultura de cada país. Em algumas culturas, você pode ser mais expressivo. Em outras, menos. No Brasil, você pode ser muito mais expressivo que na Finlândia, onde eles são emocionalmente muito frios. Mas, no mundo globalizado, é preciso ter maior adaptabilidade. Se você mudar do Brasil para a China, tem de estar muito atento à cultura chinesa. Se mudar dos Estados Unidos para a Inglaterra, você pensa que, por causa de língua, eles têm a mesma cultura. Não têm. É até irônico que seja assim.

“As pessoas só têm uma vida. Não querem ser as mais ricas do cemitério.
Querem fazer algo que tenha significado, para ser lembradas”

ÉPOCA – Qual é o papel dos líderes nesse processo?
De Vries –
Para tirar o que as pessoas têm de melhor, é preciso ter lideranças que estimulem a interação, a informação e a inovação. Para conseguir isso, a característica mais importante de um grande líder é o autoconhecimento. Se você pretende ser um líder autêntico, precisa entender seus pontos fortes e suas fraquezas. Os líderes do século XXI devem ter uma boa dose de inteligência emocional. Precisam estar conscientes de suas motivações, de seus sentimentos e desejos, entender sua personalidade e seus estados emocionais e saber como seus sentimentos inconscientes afetam seu comportamento. Têm de estar mais capacitados a entender o que não é falado e está nos corações e mentes dos empregados. Essa capacidade de compreensão estimula o envolvimento e o comprometimento dos funcionários.

ÉPOCA – Como deve ser a relação do líder com seus subordinados?
De Vries –
Os líderes autênticos prestam muita atenção ao ambiente de trabalho. Ajudam as pessoas a acreditar nelas mesmas. Percebem e atendem às necessidades e aos desejos das pessoas. Eles são capazes de despertar um extraordinário esforço de seu pessoal. Embora o dinheiro seja importante, os líderes autênticos sabem que seus subordinados querem mais que isso. Eles querem que as pessoas acreditem que eles estão fazendo a diferença para a organização e, em alguma medida, para o mundo. Conheço um CEO que não tem nenhuma inteligência emocional. É totalmente movido pela realização de tarefas. Como ele pode obter o melhor das pessoas? Como elas podem ser criativas? Eu digo a ele: “Você precisa se dar conta de que há alguns pontos cegos que podem acabar por matar sua empresa. Se você quiser, pode fazer algo a respeito”. O homem pode aprender. Todo mundo pode aprender.

ÉPOCA – Qual seria o grande modelo de uso inteligente das emoções no mundo dos negócios?
De Vries –
É uma boa pergunta. Só posso responder com as empresas que eu estou trabalhando. Fiz um longo trabalho com o National Australian Bank, com os 120 principais executivos. Fiz uma lavagem cerebral nesse pessoal. Gastei bastante energia com eles. Espero que tenham ganho alguma consciência emocional. Acho que uma empresa como a Novo Nordisk (Dinamarca) também é bem inteligente emocionalmente. Em 2003, fui escolhido pela Economist para ajudar a escolher as melhores empresas do mundo. Dividimos o mundo em três regiões e escolhemos a Infosys, da Índia, Johnson & Johnson, nos Estados Unidos, e a L’Oréal, na Europa. Minha filha trabalhava na L’Oréal, na época, e me disse que a cultura da empresa deixava algo a desejar. Agora, eles estão tentando fazer alguma coisa. É uma empresa sólida, mas ela também pode ser de um jeito por fora e bem diferente por dentro
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