Governo quer regra para conflito na internet

07-04-2010 13:01
Johanna Nublat - Folha de S. Paulo
 
Proposta exime de responsabilidade judicial provedor que, notificado, tirar do ar conteúdo e avisar responsável pelas informações

Hoje, por falta de amparo legal, blogueiros e provedores são acionados na Justiça por comentários ou conteúdos postados por terceiros


Em que momento o responsável pela hospedagem de blogs e sites ou pelo conteúdo pode ser responsabilizado pelas informações postadas? Na opinião do governo, que finaliza uma proposta de regulamentação da internet, só a partir do momento em que é notificado de irregularidades -como calúnia e difamação- e não age.
Hoje, por falta de amparo legal, blogueiros e provedores são acionados na Justiça por comentários ou conteúdos postados por terceiros, o que gera insegurança jurídica e impede inovações na rede, diz Ronaldo Lemos, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio e um dos articuladores da proposta.
"Atualmente é a imprevisibilidade total. As decisões são contraditórias, mas existe uma corrente forte que entende que o provedor é responsável."
A proposta que deverá ser apresentada em consulta pública pelo governo nesta semana cria um mecanismo extraoficial de solução de conflitos nos casos que envolvem denúncia de calúnia, difamação, crimes e ilícitos na rede. Além disso, exime de responsabilidade num eventual processo judicial os provedores que seguirem o estabelecido na lei.
Segundo o modelo, o provedor receberia notificações (via e-mail ou formulário) de pessoas que se sintam atingidas por informações postadas em páginas nele hospedado.
A partir desse aviso -argumentado e com dados pessoais do notificante-, o provedor retiraria do ar aquele conteúdo e avisaria o responsável pelas informações sobre a notificação.
O autor poderia decidir manter o conteúdo fora do ar ou restabelecê-lo. Nesse caso, o provedor estaria livre de futuras responsabilizações judiciais, que ficariam limitadas ao autor, diz Guilherme de Almeida, coordenador do marco civil.
Esse mesmo modelo seria usado com relação a comentários postados em páginas, pessoais ou não. O autor dos comentários seria notificado pelo responsável pela página, podendo manter ou não a opinião.
Nesse momento, diz Lemos, a responsabilidade pela opinião postada poderia ser assumida por qualquer outra pessoa que se identifique ou pela sociedade civil organizada, como um grupo de defesa da liberdade na internet.
Não há um tempo previsto para a notificação e a contranotificação nem para o tempo em que o conteúdo fique fora do ar. Almeida diz que a intenção é que seja de minutos.
A proposta de responsabilização civil trata apenas de conteúdos de terceiros, diz Lemos. Um site de notícias, com conteúdo editorializado, continuaria como hoje. Da mesma forma, provedores podem ignorar a proposta do marco e continuar com o modelo atual, passíveis de serem acionados judicialmente, diz Almeida.
Para Lemos, a proposta -inspirada em experiências americanas e europeias- trará a segurança jurídica necessária para que plataformas como YouTube e iTunes passem a ser desenvolvidas no Brasil.
Para Eduardo Parajo, presidente da Abranet (uma das entidades que reúne os provedores), é positivo criar um mecanismo de definição das responsabilidades nas redes. Ele, porém, vê com cautela o modelo de retirada do conteúdo extrajudicial.
"Eu aceito qualquer notificação que receber? E se eu não gosto de alguém e quero prejudicá-lo? Transformar uma ordem judicial [forma atual de retirada de conteúdo] em notificação é complicado."
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ANÁLISE

Na web, é preciso atuar com moderação
HÉLIO SCHWARTSMAN

Como toda revolução nas comunicações, a internet produziu uma série de efeitos inesperados com os quais sociedades e governos precisam lidar. Por vezes, não existem nem mesmo instrumentos jurídicos para abordar as novas realidades.
É nesse contexto que o governo apresenta seu projeto de marco regulatório civil para a rede. A proposta, que vai a consulta pública antes de ser encaminhada para o Congresso, parece equilibrada.
Ela ao menos soube escapar dos excessos que marcaram o polêmico projeto de legislação penal para a internet -apelidado de Lei Azeredo- que tramita no Legislativo. Em suas versões iniciais, o substitutivo do senador tucano previa que cada internauta se cadastrasse antes de logar-se na rede e exigia que os provedores atuassem como policiais, monitorando os passos cibernéticos de seus clientes e os delatando à menor suspeita de abuso. Essas invencionices acabaram ceifadas da proposta.
Quando se trata de regular a internet, é preciso atuar com moderação, pois eventuais excessos legiferantes, dado o caráter transnacional da rede, acabam se revelando inócuos e até mesmo contraproducentes.
O paralelo é com a invenção dos tipos móveis por Johannes Gutenberg, em torno de 1455. Antes da imprensa, o número de manuscritos em circulação na Europa se contava em milhares. Cinco décadas depois, em 1500, havia mais de 9 milhões de livros no Velho Continente. No início, foram impressas bíblias, hagiografias, livros de orações e material religioso. Logo, porém, vieram obras laicas e, pior, as "subversivas".
Em 1559, a Igreja Católica emite o primeiro "Index Librorum Prohibitorum" (catálogo dos livros proibidos). A censura estava institucionalizada.
O contexto, entretanto, era o da Reforma e da Contrarreforma. O índex e as fronteiras não bastaram para evitar que livros subversivos para um lado fossem impressos nas terras do adversário e voltassem contrabandeados a seu público-alvo.
Com a internet, onde basta um "enter" para navegar por terras estrangeiras, é impossível controlar ideias e o que o Direito chama de delitos de opinião. E não se pode afirmar que isso seja um mal.
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