Entrevista com Rudolph Giuliani: A vitória é estar vivo

05-07-2009 19:03
Gabriela Carelli - Revista Veja - Edição 2117
 

O prefeito que derrotou o crime em Nova York e disputou a candidatura republicana à Presidência conta como a luta contra o câncer mudou sua forma de encarar a vida

Fabiano Accorsi

"Ao derrotar a doença, fiquei mais forte emocional e espiritualmente. Hoje sou um apreciador da existência"

Prefeito de Nova York por dois mandatos, de 1994 a 2002, Rudolph W. Giuliani tornou-se uma referência quando o assunto é recuperação urbana. Com mão firme, ele reduziu pela metade as taxas de criminalidade e transformou a cidade em uma das mais seguras dos Estados Unidos. Em 2000, apesar de ter a eleição praticamente certa, Giuliani deixou de concorrer ao Senado porque sua vida estava uma bagunça: tinha se separado da mulher e descoberto o câncer de próstata, a mesma doença que matou seu pai. No ano seguinte, sua determinação de fazer Nova York voltar à normalidade depois dos ataques terroristas o transformou num dos políticos mais populares do país. A tentativa desse neto de imigrantes italianos de ser o candidato republicano à Presidência nas últimas eleições naufragou nas primeiras primárias. Giuliani falou a VEJA em São Paulo, onde esteve para participar do II Fórum de Riscos, patrocinado pelo Bradesco.

Sua política de tolerância zero reduziu drasticamente a criminalidade em Nova York. É possível usar os mesmos métodos de combate ao crime nas cidades brasileiras?
Há muito em comum entre Nova York e São Paulo. São cidades de grandes dimensões, cercadas por bolsões de pobreza, com um histórico de violência bem similar. Assim como em Nova York, em São Paulo coexistem as duas maiores pilastras da criminalidade: grandes grupos organizados de tráfico de drogas e autoridades corrompidas. Em metrópoles dessa amplitude e com esse perfil, a primeira coisa a ser feita é a medição diária do crime por região. É preciso fazer isso com acuidade, exatidão e constância, todos os dias, em todas as regiões da cidade. A medida é simples, mas tem um impacto surpreendente na qualidade e na eficácia da ação policial. O crime aumenta e diminui com muito mais frequência do que se imagina. Isso pode acontecer porque há mais ou menos viaturas em uma área ou porque o método de ação de uma equipe é mais ou menos adequado. Com essa medição, o policial percebe como o crime muda e entende o motivo dessa variabilidade, o que permite uma reação imediata e eficaz. Depois de entender a dinâmica do crime, é preciso pensar com mais humildade e olhar para os detalhes da violência na cidade. Em Nova York, havia tanto roubo, assassinato e narcotráfico que nenhum policial queria perder tempo com "crimes pequenos", como as pichações, os pontos de prostituição, a destruição de propriedades, ou com os lavadores de para-brisas que limpam o seu carro mesmo contra a sua vontade. Aí residia o nosso maior erro.

Por que é tão importante combater os pequenos crimes, como a pichação?
Parto do seguinte princípio: quem não presta atenção nos detalhes não atinge sua meta. Em Nova York, ninguém queria prender o ladrão de rua, só o assaltante que levou 1 milhão de dólares de um banco ou o chefe do tráfico. O problema é que tanto o ladrãozinho quanto o adolescente que picha muros estão diretamente relacionados ao chefão do tráfico. Um leva ao outro. Um só existe por causa do outro. Antes de mais nada, cidades degradadas pela violência precisam resgatar a moral, o respeito. O que é seu é seu, e eu não posso pichar. Ponto. Também não posso roubar, nem quebrar, nem vender drogas, nem morar na rua. Sem valores morais, toda a sociedade acaba no círculo do crime, de uma forma ou de outra. Se o respeito volta, o crime adoece. Assim é mais fácil combatê-lo. Foi dessa maneira que Nova York deixou de ser a cidade mais violenta dos Estados Unidos para, em alguns anos, tornar-se a mais segura.

O senhor criou polêmica ao dizer que os moradores de rua não têm o direito de ficar na rua. Isso não vai contra o direito de ir e vir?
Uma cidade precisa ser organizada e limpa. O oposto promove o crime. Em Nova York há inúmeros abrigos. Se lá uma pessoa vive na rua, há algo de errado com ela: ou é alcoólatra, ou drogada, ou tem problemas mentais. Nas ruas, pessoas frágeis tornam-se mais isoladas, amedrontadas e suscetíveis. Um cidadão pode fazer o que quiser, desde que não machuque nem agrida outro cidadão. Viver na rua não só machuca a própria pessoa como agride a toda a sociedade. Não é certo. Cabe aos governos resgatá-la, tratá-la e abrigá-la.

O senhor conquistou grande popularidade em seus dois mandatos como prefeito de Nova York e chegou a ser um dos favoritos na disputa pela candidatura republicana na corrida presidencial para a Casa Branca, no ano passado. Mas, no fim, não passou das primeiras primárias. Onde o senhor errou?
Nunca há um só grande erro. John McCain (o candidato republicano) fez grande campanha e bateu a todos. Ele fez melhor. É preciso dar crédito a ele. Olhando para trás, acho que não demos a importância necessária às primárias em Iowa. Mas esse foi apenas um entre muitos erros.

O senhor é considerado um republicano light. Sua postura moderada em relação a questões sociais pode tê-lo prejudicado?
Eu não gosto de rótulos. São uma forma inconsistente de pensar. Quando se tem um rótulo, torna-se necessário justificar todos os pensamentos. Sou conservador em questões econômicas, militares e políticas, mas penso de forma diferente em relação ao aborto, aos homossexuais e às questões imigratórias. As pessoas têm escolhas que podem divergir das suas – e é preciso respeitá-las. Não sou a favor do casamento gay, pois o casamento é uma instituição que pertence a homens e mulheres, mas defendo os direitos de casais do mesmo sexo que vivem juntos há muitos anos. Também apoio as mulheres que decidem não ter um filho. Sou contra fechar as fronteiras americanas, pois sou descendente de imigrantes. E este país foi construído por eles. É preciso combater a imigração ilegal, que está ligada ao terrorismo, ao tráfico de drogas e piora a qualidade de vida.

Com a derrota de John McCain para Barack Obama, o Partido Republicano parece passar por uma crise de identidade. Qual é a lição das urnas?
O partido está em crise, assim como esteve o Democrata na gestão anterior. Desde a Presidência de Ronald Reagan, houve dois presidentes democratas e dois republicanos. No entanto, do lado republicano, não surgiu nenhum grande talento como Reagan. Ele era um conservador, defendia sua ideologia e, sobretudo, conseguia alcançar o público de forma impressionante. Tivemos excelentes candidatos com ótimas ideias desde então, mas nenhum chegou perto dele em carisma. Do lado democrata, houve Bill Clinton e, agora, Obama. O novo presidente ainda tem chance de mostrar a que veio, não há como avaliá-lo em tão pouco tempo. Os grandes líderes são sempre uma combinação histórica de grandes homens e grandes ideias que ocorrem no tempo certo. Jimmy Carter não foi bem-sucedido. Reagan lhe sucedeu e foi melhor para a sua época. Ele foi o mais importante presidente da segunda metade do século XX.Tinha o talento e as condições, mas não se sabe o que teria acontecido se não fosse a hora exata. Precisamos de talentos.

O Partido Republicano conseguirá reinventar a si mesmo?
Um novo Partido Republicano deve emergir em um ano, para reverter os resultados negativos no Congresso. Gostaria de ver um Partido Republicano que respeite as diferenças entre as pessoas. Também é preciso legislar para quem discorda de você.

Quando o senhor diz que Barack Obama ainda precisa mostrar a que veio, deve-se entender isso como uma crítica aos primeiros meses de seu governo?
Tento não criticar o presidente. Claro que temos divergências filosóficas, caso contrário não teria sido candidato. A primeira é econômica. A principal necessidade do governo americano é reduzir gastos, não aumentá-los. A dívida pública está se tornando muito alta, o que pode causar inflação. Isso terá um impacto negativo enorme nas gerações futuras. É preciso reduzir os gastos da forma como Reagan fez. De qualquer maneira, torço por Obama. Espero que o presidente seja bem-sucedido em suas políticas econômicas. Afinal, sou americano, e também serei prejudicado se elas não derem certo. Enfrentei uma enorme crise fiscal em Nova York e reduzi as despesas. Cortei gastos em tudo, menos na força policial, que era minha prioridade. Tudo pode ser sacrificado na hora de um governo fechar as torneiras, menos a segurança. Claro que a situação atual é atípica. Estamos enfrentando uma crise mundial e ninguém pode ser arrogante a ponto de se achar um grande expert em economia. Na verdade, nenhum de nós é.

O senhor concorda com o presidente Obama no que diz respeito à segurança nacional?
Considero as ações no Paquistão e no Afeganistão corretas. É preciso enfatizá-las. Há muitos elementos terroristas emergindo nesses países. Tivemos vitórias em 2001 e 2002, mas agora é preciso fazer pressão em outras partes do mundo. Só o tempo dirá se as políticas de Obama vão tornar o mundo melhor – ou piorá-lo. Talvez não funcionem, porque a Coreia do Norte está mais próxima da bomba atômica. Se não funcionarem, espero que Obama as mude. Uma das características mais importantes de um presidente é a maleabilidade. É importante acreditar que se está certo, mas, se se estiver errado, é preciso coragem para mudar, mesmo que isso tenha um custo. Não acredito que se pode negociar com terroristas ou com pessoas que fornecem armas para terroristas. Não adianta ter ilusões sobre isso. De forma geral, o que tenho a dizer sobre Obama é que a Presidência de um país se faz por meio da combinação de duas ações: seguir uma ideologia e ser prático quando algo não funciona. Muitas vezes, um líder precisa fazer coisas que não soam populares se realmente quer ser um verdadeiro líder.

O senhor enfrentou um câncer. A doença mudou a maneira como encara os sucessos e fracassos, como perder ou ganhar uma eleição?
Totalmente. Nunca pensei que algo assim fosse me acontecer. Ao derrotar a doença, fiquei muito mais forte emocional e espiritualmente. Adoeci em maio de 2000, e tenho certeza de que a experiência me fez enxergar a realidade com outros olhos, inclusive o ataque terrorista de 11 de setembro. Hoje sou um apreciador da vida. Quando soube que estava com câncer, decidi contar a todos que iria enfrentá-lo. Começar a batalha e anunciá-la foi uma coisa boa. Mostrou-me que eu estava prestes a morrer, mas ainda tinha tempo de fazer algo a respeito.

A candidata do governo à sucessão presidencial brasileira, Dilma Rousseff, está em tratamento contra um câncer. O senhor acha possível conciliar a doença com as responsabilidades da vida pública?
Disputar um cargo e tratar um câncer resulta em muito gasto de energia, em duas direções, ao mesmo tempo. Eu não acho que conseguiria. Por isso, deixei a disputa pelo Senado. Dedicava 80% do meu tempo ao tratamento. Muitas vezes pensei no que teria acontecido se tivesse embarcado nos dois desafios simultaneamente. Cada situação é diferente, e cabe a cada pessoa decidir o que fazer. O bom é que hoje há muitos tratamentos e as chances de sobrevivência são bem maiores. Muitos candidatos à Presidência dos Estados Unidos tiveram câncer, como John McCain e John Kerry.

O senhor era prefeito de Nova York quando ocorreram os atentados de 11 de setembro. Como avalia o episódio, oito anos depois?
O 11 de Setembro foi o pior e o melhor momento da minha vida. Poderia falar horas seguidas sobre os horrores desse dia. Jamais esquecerei tais cenas. Mas prefiro ver as coisas de forma positiva. O incidente provocou uma comoção sem precedentes. Nunca na história americana as pessoas se esforçaram tanto para ajudar umas às outras. Foi um marco em termos de resistência, de reação e de solidariedade. A vida pode ser vista pelo lado negativo ou positivo. Prefiro a segunda opção.

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