Crise faz empresas contratarem mais gestores interinos

26-05-2009 11:45

Recursos humanos: Cresce a alocação de profissionais temporários em postos de comando para resolver problemas urgentes

Com uma expectativa de cortar custos operacionais em 10% e engordar a receita em 15%, o executivo Ricardo Zucato, diretor da Poit, foi buscar reforços fora da empresa. Contratou dois gestores temporários, um para a área comercial e outro para o setor operacional- e não se arrepende. Mesmo com a crise, a companhia de 250 funcionários especializada em locação de geradores de energia pretende fechar o ano com R$ 100 milhões de faturamento. "Os executivos passaram apenas um ano aqui, mas criaram novas divisões e nos ajudaram a aumentar o controle das equipes", afirma.

Na verdade, Zucato engrossa a lista de dirigentes que, cada vez mais, apostam fichas na gestão interina- a alocação temporária de profissionais para posições de comando por períodos de trabalho ou por projetos pré-determinados. Especialistas acreditam que o conceito surgiu nos anos 1970, na Holanda, onde os altos encargos trabalhistas pesavam nos bolsos das grandes empresas. A prática acabou se espalhando pelo mundo em situações de transição, sucessão, fusões, aquisições e gestão de grandes projetos. Em momentos de crise financeira, que demandam soluções corporativas urgentes, ela ganha ainda mais força.

No Brasil, a maior parte dos gestores interinos é ligada a consultorias e pode ser encontrada prestando serviços em empresas com faturamento acima de R$ 20 milhões. As companhias, de áreas diversas como agronegócios, bens de consumo, construção civil e prestação de serviços, precisam de algum tipo de reestruturação organizacional. Geralmente, os temporários são destacados para apagar incêndios nos departamentos financeiro, de tecnologia, supply chain, engenharia, recrutamento e seleção.

"Antes encarado como um tapa-buracos, o gestor interino é visto hoje como um recurso estratégico para situações delicadas, que necessitam de alguém com muita experiência e qualificação", afirma André Szeneszi, diretor da Alpen Executive Search. "Esse profissional tem liberdade de tomar decisões importantes, como implementar sistemas, gerar novas oportunidades de negócios, aumentar a rentabilidade da empresa ou até substituir um diretor do topo da companhia." Outra grande vantagem desse colaborador coringa é ter uma visão mais objetiva, não influenciada por decisões passadas, por preferências pessoais ou pela cultura estabelecida dentro da organização.

A Corporate Consulting, especializada em consultoria empresarial, já arregimentou 22 executivos para atuar em clientes nesse primeiro trimestre de 2009. "Foi um aumento de 50% em relação ao ano passado", revela o presidente da Corporate, Luis Alberto de Paiva, que conduziu 80 projetos de reestruturação desde 2001. "As empresas querem arrumar seus passivos, obter novas linhas de crédito e adequar resultados à nova realidade do mercado."

Consultor da Corporate, o executivo Sidney Muraca foi destacado há três meses para ser gerente administrativo e financeiro da Dal Ponte, empresa do setor de material esportivo que faturou R$ 52 milhões em 2008 e passa por um processo de recuperação judicial. "Devo ficar na função por mais um ano", afirma Muraca que, antes de vestir a camisa de gestor interino no mercado, foi diretor de auditoria do grupo GRSA por sete anos.

A missão de Muraca é remodelar toda a área administrativa-financeira da Dal Ponte e elaborar os orçamentos dos próximos cinco anos. "Também criamos um novo fluxo de caixa, reformamos a área de recursos humanos e devemos reativar uma fábrica no Rio Grande do Sul que vai gerar 200 empregos". O plano é disparar atividades de exportação nos próximos quatro meses e elevar o faturamento da empresa a R$ 70 milhões em 2009.

A experiência não é nenhuma novidade para o consultor. Durante quatro meses, fez um trabalho semelhante para a Salute, da área de laticínios, que precisava repaginar as áreas administrativa, financeira e de produção.

"A princípio, sou visto como um auditor que vai cortar custos e empregos", diz Muraca. "Mas com o tempo, os funcionários das empresas percebem que estamos ali para ajudá-los a trabalhar melhor e trazer novidades do mercado". Na Dal Ponte, por exemplo, a ideia é disseminar também uma nova cultura de sistemas de ERP (Enterprise Resource Planning) para alavancar negócios.

Segundo Ricardo Bevilacqua, diretor para a América Latina e Caribe da Robert Half, do setor de recrutamento de executivos, as empresas também saem à caça de temporários quando precisam de assistência imediata durante um processo de seleção de um executivo fixo. "Companhias de médio porte acreditam que um controller de nível mais senior possa agregar em questões excepcionais, estabelecer políticas e procedimentos", explica. "E depois, um profissional contratado, com menos experiência, poderá dar continuidade nos projetos."

A Robert Half também observa movimentação do recrutamento provisório em outras áreas das organizações, como o jurídico, marketing e na administração geral. No ano passado, em todo o mundo, a consultoria selecionou mais de 200 mil interinos. Somente a receita da Robert Half Management Resources, divisão responsável por atividades temporárias, representou cerca de 15% da receita total da Robert Half International em 2008.

Para Bevilacqua, o gestor free-lancer gosta de enfrentar novos desafios e é visto como um "resolvedor de problemas" que sabe pilotar grandes mudanças. "Muitos de nossos melhores consultores construíram carreiras como diretores financeiros e gostam da liberdade de trabalhar em projetos durante nove meses por ano."

O especialista acredita que o chamado das empresas por profissionais temporários, principalmente da área financeira, surge com força para enxugar custos e melhorar a eficiência operacional. "É desejável que eles conheçam exigências regulatórias e ainda promovam grandes controles internos."

"As áreas de vendas também começam a apresentar um aumento de demanda por esses profissionais", afirma Carlos Altona, diretor da Michael Page no Brasil, consultoria especializada em recrutamentos para média e alta gerência. A empresa acaba de criar uma divisão exclusiva para vagas terceirizadas no país. A modalidade já responde por 20% do faturamento global da companhia, que alcançou US$ 1,5 bilhão no ano passado.

Na Poit, a entrada dos gestores independentes provocou o desenvolvimento de uma área de inteligência de vendas e um sistema de remuneração variável para a área comercial. "Sem falar do aumento do controle nas operações da companhia", lembra o diretor Ricardo Zucato, que coleciona clientes como a Votorantim, Atento e Petrobras.

Segundo Eduardo Bezerra, sócio da O-Think Soluções Empresariais, que mantém equipes de interinos em pequenas, médias e grandes companhias, a maioria dos contratos costuma ser fechada por projeto. "Dessa forma, os resultados acordados podem ser mensurados com mais facilidade", explica. Para ele, 80% das empresas buscam projetos que possam ter retorno comprovado.

"Normalmente as contratações duram de três a nove meses", completa Margot Nick, gerente da Kienbaum, do setor de seleção de profissionais, que tinha oito vagas para gestor interino, em abril. Segundo a consultoria, esse profissional geralmente chega às empresas acompanhado por um analista especializado em estratégia de negócios e por outro executivo, dedicado a vendas e marketing - para ajudar a "sacudir" a área comercial.

Mas como deixar os dois lados - terceirizados e empresas- satisfeitos com o andamento dos trabalhos? Segundo os especialistas, é comum que o pagamento dos gerentes por temporada seja feito de acordo com os resultados obtidos. Na Dal Ponte, por exemplo, os interinos têm participação nas receitas e podem ganhar até quatro salários a mais por ano, conforme o salto das vendas da companhia ou pela redução dos custos administrativos.

Na Poit, 50% do valor da fatura são para cobrir os custos fixos do projeto e a outra metade é paga de acordo com o aumento de Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). "Esse procedimento valoriza o comprometimento dos interinos com a operação", diz Zucato, que vai continuar investindo em gerentes temporários. "Pretendo contratar, ainda em 2009, um especialista em IS0 9000."

Jacilio Saraiva - Valor Econômico

Voltar

Procurar no site

© 2008 Todos os direitos reservados.