A dificuldade que todos temos para eleger as pessoas certas

10-08-2009 21:49
Claudio Fernández-Aráoz - Valor Econômico
 
Durante o último ano, viajei aproximadamente o equivalente a dez vezes a volta ao mundo, ministrando uma centena de conferências sobre o desafio da eleição de grandes líderes na Europa, Ásia e América. Na convivência com milhares de líderes, executivos, sociólogos e políticos, foi possível constatar a enorme dificuldade que todos nós temos para eleger corretamente as pessoas.

O filósofo e economista austríaco, considerado o pai da gestão moderna, Peter Drucker, há mais de duas décadas, disse que, muito provavelmente, nenhuma atividade seja mais importante do que a de eleger corretamente as pessoas, justamente pela importância das suas consequências e pela dificuldade de desfazer as decisões incorretas. Contudo, o mesmo Drucker afirmava que poucas práticas organizacionais teriam resultados tão lamentáveis. Na sua opinião, somente a terceira parte das eleições de líderes era correta, sendo um terço simplesmente medíocre e o outro terço infeliz. Pesquisas recentes realizadas pela empresa de consultoria Booz Allen & Hamilton confirmaram que as estimativas de Drucker continuam sendo, infelizmente, muito próximas da realidade.

O problema não se limita somente ao mundo corporativo e infelizmente também chega àquelas decisões críticas que determinam o futuro das nações - e, portanto, do mundo em que vivemos. Quando estava terminando de escrever o meu mais recente livro "Grandes Decisões Sobre Pessoas", enviei um e-mail aos sócios globais da Egon Zehnder Internacional - de nossa rede de 64 escritórios espalhados em 37 países - consultando-os sobre as piores eleições de líderes que eles já tiveram conhecimento. Minha pergunta estava focada no mundo corporativo, mas me vi regado a eleições de presidentes e primeiros-ministros supostamente inaptos, que, todavia, lideraram alguns dos países mais avançados do mundo.

Quantos presidentes ou primeiros-ministros atualmente em exercício, mesmo nos países mais desenvolvidos, são as melhores pessoas possíveis para exercerem seus cargos? Quantos deles se sobressaem e quantos, simplesmente, são adequados do ponto de vista de sua competência, credibilidade e integridade? Sem uma liderança política adequada, não podemos sequer nos ocupar com fortes desafios que aterrorizam a sociedade: genocídios, terrorismo, desigualdades econômicas, injustiça social entre outros.

Em uma conferência realizada no ano passado nos Estados Unidos, uma das perguntas que recebi foi sobre as eleições de 4 de novembro, que elegeram o novo presidente daquele país - provavelmente a pessoa mais importante e influente do mundo. Pediram-me uma avaliação sobre o melhor entre todos os candidatos. Minha resposta foi uma reflexão um pouco mais atrás da realidade, mostrando que não temos apenas limitações para eleger, mas também na etapa de geração de candidatos para as responsabilidades do planeta. Se Hillary Clinton fosse a candidata eleita pelo Partido Democrata e, depois, eleita a nova presidente, os Estados Unidos teriam tido, durante três décadas, uma liderança exclusivamente por duas famílias: um pai e um filho e um marido e uma mulher. Que empresa familiar com esse exemplo de sucessão teria a reputação de desenvolver e eleger os melhores candidatos? Quanto mais sério teria sido o caso no país mais poderoso do mundo, com 300 milhões de habitantes como potenciais candidatos?

Por que então é tão difícil eleger os melhores líderes? O principal problema é que temos um cérebro velho para um trabalho novo. Nossos cérebros foram adaptados em um longo processo de evolução que aconteceu em uma velocidade muito baixa. Nosso cérebro atual não é muito diferente do que tinha o homem primitivo, que há 10 mil anos recolhia alimentos e caçava animais na selva. Este cérebro tem uma serie de capacidades essenciais para a sobrevivência em um ambiente primitivo, como a capacidade de identificar rapidamente as situações de perigo e, da mesma forma, o respeito às pessoas.

Pesquisas recentes no campo da neurofisiologia cerebral mostram, por exemplo, que o nosso cérebro tem quatro zonas que nunca dormem, permanecendo sempre em estado de atenção. Três destas quatro zonas estão associadas aos estímulos rápidos e inconscientes, respeito às outras pessoas e, surpreendentemente, ocorrem na velocidade de um relâmpago: em um milésimo de segundo.

Lamentavelmente, esses estímulos prematuros - que eram úteis na formação rápida da impressão do mundo primitivo, tornaram-se extremamente perigosos no mundo moderno. Determinar quais são as competências necessárias para um trabalho completo e avaliar um candidato real na mesma linha, requer um trabalho profundo de análise para o qual devemos rejeitar esses juízos prematuros e realizar um trabalho analítico, detalhado e consciente de definição das características da pessoa que desejamos buscar e da avaliação dos candidatos.

Os juízos prematuros representam somente o exemplo de uma dezena de patologias psicológicas e armadilhas emocionais que sabotam nossa capacidade para eleger grandes líderes. Além desses juízos, a lista de patologias típicas inclui o adiamento, a superestimação da capacidade, rotular as pessoas, avaliar as pessoas de maneira correta, buscar informações a favor de nossas hipóteses, proteger-se, andar em grupo de acordo com os que mais se assemelham e agir emocionalmente.

Sobre o adiamento, por exemplo, existem estudos da McKinsey & Co., e outros que demonstram que menos de 10% dos executivos consideram que suas empresas reajam com rapidez para identificar as pessoas incompetentes de posições críticas. Nossa própria natureza nos leva a adiar esse tipo de decisão, a não ser quando a situação é grave e a reação, por consequência, tardia. Mas devemos aceitar esse tipo de postergação? Qual seria o resultado de um time de futebol que não substitui 90% de seus maus jogadores? Problemas similares ocorrem com as outras patologias listadas.

Qual a solução? Se por um lado não podemos mudar nossa natureza humana e nossa programação cerebral a curto prazo, por outro podemos compreender nossa natureza para tentar gerir os nossos instintos e avaliar as armadilhas.

Educando-nos ao conhecimento de nossas patologias psicológicas e armadilhas emocionais, poderemos evitá-las e aumentar drasticamente a probabilidade de acertar ao eleger as pessoas. Podemos nos cercar de pessoas melhores no âmbito pessoal e no trabalho, aumentando, portanto, significativamente as chances de sucesso em nossas carreiras, bem como o próprio valor das nossas empresas. Ao fazer isso, seremos capazes também de eleger os melhores líderes para as nossas nações, contribuindo de forma significativa na construção de um mundo melhor.

Claudio Fernández-Aráoz é sócio e membro do comitê global da Egon Zehnder International.
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