Tuiteiros patrulham português e Caps Lock

12-05-2010 11:29
Rafael Capanema - Folha de S. Paulo
 

Chateada, Xuxa abandonou o site; locutor Silvio Luiz manda usuários inconvenientes "para o lixo"

Atenção, tuiteiro que comete erros de ortografia e usa o Caps Lock indiscriminadamente: você pode estar na mira de usuários que arrogam para si a missão de zelar pela língua portuguesa e pelas boas maneiras.
Um imbróglio no Twitter envolvendo Xuxa Meneghel tornou-se um caso emblemático do emergente fenômeno de usuários especializados em caçar deslizes alheios.
Em meados de 2009, a apresentadora (twitter.com/xuxameneghel) tuitava várias vezes ao dia, sempre em maiúsculas.
Alguns de seus seguidores censuravam a prática, alegando que ela parecia estar gritando.
"EU NÃO ESTOU GRITANDO, NEM QUERO SER MAL EDUCADA, GALERA. SEMPRE QUE ESCREVO NO COMPUTADOR, ESCREVO ASSIM. É O MEU JEITINHO!", justificou Xuxa, assim, com Caps Lock, em 19 de agosto de 2009.
Não adiantou. As críticas continuaram, e a apresentadora acabou cedendo às minúsculas, a contragosto. Seis dias depois, a filha Sasha, de 11 anos, assumiu o Twitter da mãe e escreveu a palavra "cena" com "s". Virou motivo de chacota.
Chateada, Xuxa abandonou o serviço de microblog com uma mensagem que ficou célebre entre os tuiteiros do Brasil: "fui vcs não merecem falar comigo nem com meu anjo".
A apresentadora foi procurada pela Folha, mas sua assessoria disse que ela não comenta mais o assunto.
Em 5 de outubro de 2009, William Bonner escreveu no Twitter a palavra "ia" com acento agudo no "i", no que foi prontamente corrigido pela ex-"BBB" Milena Fagundes (twitter.com/Milena_Fagundes).
Milena diz estar acostumada ao estigma de que ex-"BBB" é "analfabeto, burro". E se defende: "Escrever é uma coisa que eu realmente sei, sempre li muito", diz ela, que é funcionária pública licenciada da assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça em Manaus e, hoje, atua como DJ e planeja abrir uma agência de publicidade.
Bonner levou a situação "super numa boa", segundo Milena, que credita o lapso ortográfico do apresentador e editor-chefe do "Jornal Nacional" a uma mera distração. "Tenho certeza de que foi um erro de digitação. Ele sempre foi cuidadoso. Não abrevia palavras, escreve supercorretamente", afirma a ex-"BBB".

Para o lixo
Alvo frequente dos patrulheiros da língua portuguesa e do Caps Lock, o locutor esportivo Silvio Luiz (twitter.com/silvioluiz), hoje na RedeTV! e na BandSports, não cede em nenhuma das duas frentes.
Pelo contrário: encampa um movimento a favor da caixa alta ("é mais fácil de ler", defende) e revela que até comete erros ortográficos de propósito: dessa forma, fica mais fácil identificar usuários inconvenientes e mandá-los "para o lixo" (bloqueá-los), afirma.
"Um senhor de 75 anos como eu, que passou pela alfabetização na época do tupi-guarani, não lembra das modificações que a língua sofreu ao longo dos anos", diz o locutor.
"O Twitter foi feito para extravasar. Fui para criar amigos, não inimigos. Esses, eu mando para o lixo. Fica lá no purgatório, queima bem a bundinha no fogo até se recuperar".
__________________________________________________

Usuários criam perfis para corrigir tuítes dos outros
Objetivo é difundir etiqueta no Twitter; ator John Cusack é alvo de patrulheiros da gramática alheia

DO "NEW YORK TIMES"

John Cusack tuíta com seu iPhone e, assim como os personagens que interpreta, seu estilo é rápido e solto. "Sou novo nisso e, se há uma verificação ortográfica no iPhone, não consigo encontrá-la", disse.
Por conseguinte, Cusack deu luz à palavras estranhas como "breakfasy" ("breakfast", café da manhã) e "hippocrite" ("hypocrite", hipócrita).
A maioria de seus seguidores ignora as gafes. Mas uma minoria perturba-o sobre isso sem parar, dizendo à estrela que, tanto quanto gostaram de "Garota Sinal Verde", sua gramática e ortografia são terríveis. "Era tão intenso que, no começo, eu não achava que eles estavam falando sério", disse Cusack. "Porque assim, quem se importaria?".
"Seria legal se as pessoas limpassem sua gramática um pouco e digitassem em letras minúsculas, tornando a internet um pouco mais esperta", disse Nate Fanaro, um programador de 28 anos de idade cujo nome no Twitter é CapsCop.
GrammarCop, uma das várias pessoas que parecem existir no Twitter apenas para corrigir outros, recebeu recentemente uma pancada da atriz Kirstie Alley, a quem ele havia recomendado o uso de uma forma plural do verbo em vez de um singular. "Você está drogado?", Alley escreveu de volta.
"Você realmente fica parado esperando as pessoas usarem a gramática incorreta? Você precisar (sic) de uma vida".

Etiqueta
Fazer valer a etiqueta no Twitter é basicamente pedir para ser chamado de idiota, mas aqueles que o fazem não parecem se importar.
É difícil dizer, mas o número de contas de Twitter dedicadas a apontar as fraquezas de outras pessoas no idioma parece estar crescendo. Entre os mais mencionáveis estão o Grammar Fail, o Grammar Hero, o Your Or Youre, o Word Police e o Spelling Police.
(JOHN METCALFE)
________________________________________________

Falso Pasquale dá orientações na internet
Usuário corrige erros alheios e responde a dúvidas; para linguista, há uma "fissura excessiva" com grafia

Pasquale Cipro Neto, professor de português e colunista da Folha, não está no Twitter.
Mas um fake seu (twitter.com/Fake_Pasquale), que corrige erros gramaticais e responde a dúvidas, acumula mais de 34 mil seguidores -o número estava próximo de 60 mil, mas diminuiu, segundo o verdadeiro Pasquale, depois de ele ter pedido à sua agente que "tomasse providências".
"A ideia de criar o fake nasceu num dia em que vi um renomado músico, do qual sou fã, escrever "pesquiza" no Twitter. Pensei: "Preciso fazer alguma coisa’", afirma o responsável pela conta, Ener Silva, 37, que trabalha em uma agência de publicidade em Curitiba.
O objetivo de Silva era corrigir erros de português de outros tuiteiros, mas ele começou a receber mensagens com dúvidas. "Coisas que nem eu sabia acabei aprendendo também".
Na opinião de Sírio Possenti, professor de linguística da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), há uma "fissura excessiva" com os problemas de grafia.
"Acho que isso se deve ao fato de que essa é a única coisa, a rigor, que a maioria das pessoas sabe corrigir", afirma Possenti. "Se elas leem um texto e veem um cê-cedilha que não deveria estar ali, dizem: "Esse texto está errado". Mas não se dão conta, frequentemente, se o texto é incoerente, contraditório, incompleto ou se o argumento é uma droga".
Possenti não considera uma afronta à língua as abreviações comuns na internet e ainda mais intensas no Twitter, que tem limite de 140 caracteres. "Isso não é nem uma ameaça à língua -a língua nem fica sabendo disso- e muito provavelmente não é uma ameaça nem à escolaridade daqueles que fazem isso. Nada garante que quem escreve dessa forma no Twitter escreve assim em outros lugares".
Para Pasquale Cipro Neto, o verdadeiro, a pessoa precisa ter consciência do território em que está. "Se ela está escrevendo nesse ambiente, naturalmente vai se valer desses recursos [abreviações] para atender às suas necessidades", afirma. "Agora, se ela achar que pode fazer isso a vida inteira, aí é que começa o problema. O sujeito não pode ter um código só. Quem tem um código só não tem nenhum".

Voltar

Procurar no site

© 2008 Todos os direitos reservados.